Dirigimo-nos até ao barco, num porto irreal. Bem na verdade não havia porto, e o cais de embarque era a própria margem do rio. Embarcávamos por umas tábuas arcaicas e de aspecto pouco sólido que desafiavam o nosso equilíbrio. Felizmente toda a bagagem era transportada por uns carregadores que em troca de alguns Kyats prestavam esse serviço.
O barco estava de acordo com os standards birmaneses, mas não era desagradável. Colocaram-nos numa ampla cabine fechada interior, com bancos parecidos com os de um autocarro. Para além da nossa bagagem, praticamente não estivemos nesse lugar. O barco estava quase vazio, transportando alguns birmaneses 2 casais espanhóis e um de franceses.
A maior parte da viagem foi passada no passadiço superior do ferry ao ar livre. A troco de 1 dólar, as cadeiras de plástico, tornaram esta viagem num miradouro privilegiado da vida do rio e das populações que viviam nas suas margens. E que experiência! Podia fazer-se um tratado antropológico, nas 10 horas que durou a viagem de cerca de 200 quilómetros, entre Bagan e Mandalay.
O Ayeyarwady era a vida daquelas pessoas. Não conseguimos evitar pensar que o desenvolvimento se esqueceu deste lugar. Acreditamos que se tivéssemos passado nos mesmos locais 50 anos antes teríamos visto exactamente as mesmas coisas.
Ali a palavra de ordem era a sobrevivência, e sobressaíam daquela paisagem tropical no meio da Birmânia, as palmeiras que entrecortavam o céu despontando das margens, onde os birmaneses tomavam banho, lavavam a roupa, pescavam, tiravam água para as suas necessidades básicas e onde as faziam também. Por vezes, rio abaixo, barcos carregados com a valiosa madeira de Teca, cruzavam-se connosco com dezenas de homens empilhados sobre os monumentais troncos. Também dentro de água seguiam os troncos rebocados por pequenas embarcações que faziam o mesmo trajecto.
Ao longo das margens, multiplicavam-se as actividades sempre rústicas e intemporais, tal como eram as casas de bambu cobertas de colmo que compunham as ocasionais aldeias que íamos atravessando. Por vezes, stupas douradas, sobranceiras às copas das árvores lembravam-nos que o budismo estava bem vivo e provavelmente mais fervoroso do que em qualquer outro local.
Canoas escavadas em troncos, tornavam-se bastante instáveis à passagem do ferry, atrapalhando a milenar arte da pesca à rede que continuava a ser ali praticada. As margens surgiam também por vezes sarapintadas de branco e cinzento das vacas e búfalos que também reclamavam aquele lugar para si. Mulheres e crianças, paravam o banho ou de bater as roupas que lavavam no rio, para nos observar, e com um aceno açucarado com um sorriso, comunicavam connosco.
A cada paragem do ferry, a cena repetia-se: aproximavam-se habitantes locais tentando vender-nos as suas melancias e bananas.
O Ayeyarwady mostra-se em todo o seu esplendor, com locais onde se parece com o mar tal é a largura que atinge. O rio é autenticamente uma fonte de vida para os milhões de pessoas que dele retiram o seu sustento ao longo dos seus 2170 quilómetros.
À medida, que nos aproximámos de Mandalay, multiplicavam-se os templos que viam as suas cúpulas douradas reflectidas nas águas do rio.
Dez horas e muitos anos de felicidade depois atracámos em Mandalay, onde vários barcos encostados uns aos outros, faziam as vezes de sucessivos cais de embarque.
Após passarmos todos os convés dos vários barcos atracados e de descermos as rampas de acesso à margem, colocámos literalmente os pés em terra. A confusão era total, a desorganização também. Aquele pedaço de terra era deveras movimentado e provocou-nos a sensação de ter entrado dentro do filme "A volta ao mundo em 80 dias". Ficámos apreensivos e precisámos dos habituais minutos de adaptação para voltarmos a perceber aquela realidade que não era a nossa mas onde tudo era pacífico. Entre dezenas de ofertas de táxis, hotéis e comida, lá encontrámos a zona, onde nos esperava o nosso transfer para o hotel.
Ali estávamos nós em Mandalay!
1 comentário:
boas fotos!
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