sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Chegada ao Tibete

Inebriados com as fantasias a que o tecto do mundo nos transporta, excitados com as experiências que pretendemos viver e expectantes quanto ao “mal de altitude”, saímos do avião prontos a exorcizar todas as dúvidas relativas ao Tibete.

Acompanha-nos um enorme manancial de informação recolhido ao longo dos últimos tempos, que nos talha o pensamento e nos intensifica a dor que passamos a partilhar com os tibetanos.

Somos recolhidos pelo guia obrigatório que nos foi imposto não nos deixando no entanto enganar pela pele escurecida e curtida pelos elementos agrestes e que é inegavelmente a fisionomia característica dos tibetanos. Já sabemos que inúmeros tibetanos “venderam a alma ao diabo”, por necessidade ou não, trabalhando para a nação “libertadora” a China.

Sendo uma zona politica e socialmente muito sensível, o turismo tem as suas particularidades. A presença policial é ostensiva e propositada em todo o Tibete embora o turista mais distraído possa não reparar que todos os seus movimentos são controlados por estes guias “amigáveis” que o levarão a ver o que as autoridades querem e não o que os turistas pretendiam.
Foi por isso que tivemos que “resolver” uma série de situações que nos queriam impor, mas que com alguma paciência, persistência e obstinação se tornam possíveis de contornar. Relativamente ao hotel, já o tínhamos feito, tendo de ser nós próprios a fazê-lo de Portugal, dado que o que pretendíamos estava sempre cheio quando o solicitávamos pelas vias oficiais. Nada que um telefonema e uns e-mails não resolvam. Impunha-se agora resolver a situação do guia, para que deambulássemos livremente por Lhasa e arredores, falando com os locais, sem qualquer restrição e deixando os nossos interlocutores à vontade.

Assim que travámos conhecimento com o “simpático” guia, fizemos questão em o alertar o quanto apreciamos a viagem independente! Sem papas na língua, transmitimos-lhe que o facto de ele estar ali connosco, não tinha sido escolha nossa, mas que nos tinham imposto a sua presença e o respectivo pagamento, facto aliás que muito nos desagradou. Ironicamente, comunicámos-lhe que iria ter umas férias pagas nos próximos dias, dado que dispensaríamos os seus serviços. O guia não ficou obviamente satisfeito com a situação mas pese embora a sua surpresa, percebeu rapidamente que a nossa posição era inegociável. O guia colocou uma série de entraves a esta situação, falando de impossibilidades legais e propôs uma série de excursões que recusamos educadamente. Segundo ele a visita ao Potala sem guia estava completamente fora de questão, dado que as forças policias estavam presentes em força e qualquer turista desacompanhado além de não poder entrar, criaria uma situação “muito difícil” ao guia responsável por eles. Embora não acreditássemos nestes argumentos, também não o queríamos deixar em maus lençóis e afinal uma negociação é isso mesmo, concessões de parte a parte e no fundo, pareceu-nos um pequeno preço a pagar pela grande liberdade que já estávamos a conquistar!

Não acabámos esta “negociação” sem antes deixarmos bem claro, que após a entrada no Potala, nos abandonaria, deixando-nos a sós na magnificiência do local, numa visita que esperávamos com imensa ansiedade. Acordo firmado! É tempo agora de ficar “perigosamente” à solta para o contacto autêntico com as pessoas e a arte cultural e essencialmente religiosa tibetana!

Todo este episódio, se passa na ligação do aeroporto para a cidade, e apenas foi interrompido por uma pausa no caminho para admirar-mos uns gigantescos frescos pintados na rocha, cobertos por milhares de katas, os tradicionais lenços tibetanos que servem como oferendas religiosas e sociais. Também nós já vínhamos munidos da nossa kata que nos fora oferecida em sinal de boas vindas na chegada ao aeroporto.

Ao longo dos cerca de 70 quilómetros que separam Lhasa do aeroporto, nas novas estradas abertas pelos chineses, assistimos à eloquência da paisagem, tão bonita quanto agreste, dominada pelos imponentes picos escarpados, talhados suavemente pelo rio Ky Chu durante milénios, na ânsia de entregar aquela fonte de vida a todo o sudeste asiático.

Ao chegar a Lhasa, é com dificuldade que seguramos uma lágrima de emoção que teima em formar-se ao canto do olho ao depararmo-nos com a imponência extrema e a beleza aterradora do palácio Potala, que sobranceiro a toda a cidade parece querer subir a montanha e tocar o céu!

Não podia ser mais emocionante a entrada em Lhasa, embora a visão seguinte, nos mostrasse a cega e selvagem colonização chinesa que em nada se parece com a tradicional cultura tibetana.

Mais tarde teríamos a oportunidade de ver o quanto os chineses estragaram aquele oásis de beleza plantado no topo dos Himalaias.

O hotel era fantástico! Tipicamente tibetano, onde a madeira coloridamente pintada nos aquece a alma ao estilo dos seus templos budistas!

Após quase desmaiarmos ao subir o primeiro lance de escadas, os 3650 metros de altitude, começavam a pregar-nos umas partidas, fizemos o que já estava planeado: descanso total no que restava do dia, sabendo que necessitávamos daquele tempo para uma perfeita adaptação à altitude, deixando o nosso corpo produzir uns milhões de glóbulos vermelhos, acalmando os sintomas de embriaguês que já começávamos a sentir e preparando-nos para os dias que seguiam.

E que dias…