domingo, 14 de outubro de 2007

Yangoon, Parte 1





Foi em Agosto de 2006 que com indisfarçável ansiedade, partimos de novo rumo ao oriente. Na bagagem levávamos recordações fantásticas do continente asiático que ainda nos assaltavam a memória. Posso agora dizer que no regresso, trouxemos alguns dos melhores momentos que vivemos em Viagem.

Muitos desses momentos, foram passados na Birmânia, que após estes últimos tristes acontecimentos, onde milhares de manifestantes ou desapareceram ou foram mortos, reavivaram na memória aqueles que tão bons momentos nos proporcionaram e que esperamos que estejam bem!

O percurso na Birmânia começou em Yangoon, na altura a capital do país. Já nessa altura a guia que nos transportou do aeroporto para o hotel, havia afirmado que a capital mudaria de local, acrescentando: “ Ah mas isso vai ser como habitual, dizem-nos na véspera e já está, nós não temos mesmo voto na matéria por isso…”

A franqueza e sinceridade da guia, deixou-nos surpreendidos, especialmente depois de todos os avisos que lêramos para não falar de assuntos políticos e outros assuntos sensíveis em público. Para além destas afirmações e com uma revolta bem patente, foi falando com um cuidado extremo nos termos que utilizava, nas dificuldades e injustiças que sofria o povo birmanês diariamente. Terminou com um lacónico “Isto não é como o vosso país”

Não é que ela conhecesse a nossa realidade, ou não fosse a Birmânia um dos países mais isolados do mundo, mas a probabilidade de acertar era enorme figurando a Birmânia invariavelmente nos últimos lugares de todos os indicadores internacionais de riqueza, desenvolvimento humano, saúde…

Antes disso e ainda no avião, não pudemos deixar de sentir a excitação a crescer no voo da Myanmar airways para yangoon, é que tal como ansiávamos, após viagens em aviões totalmente apinhados, estávamos agora num avião quase vazio em direcção ao nosso el-dorado: um país sem turismo massificado!

Ao chegar a Yangoon, bastou o primeiro olhar para perceber que o país era pobre. Não sentimos qualquer antipatia relativamente a nós por sermos estrangeiros a entrar num país ditatorial. Embora já o esperássemos porque tínhamos lido que assim seria é sempre bom notar que somos bem vindos!

No transfer para o hotel, a conversa continuou animada por parte daquela rapariga que impressionou pela competência no serviço turístico, na eficiência com que cumpriu o seu dever de alertar a precária situação em que o país se encontra para que possamos passar a palavra no exterior, e no pragmatismo com que nos aconselhou a trocar dinheiro no mercado negro! É que no hotel o câmbio era o oficial e por 1 dólar dar-nos-iam 450 Kyats, ou se quiséssemos, ela própria nos trocaria no mercado negro o dinheiro:1200 Kyats por um dólar! “Mercado negro? Já estou a adorar isto! Vamos embora, nem é preciso pensar duas vezes” (ok! pensámos mais que duas vezes). Chegados ao hotel, e depois de fazermos umas continhas à vida, cá vai disto, toma lá 200 dólares e que seja o que deus quiser, ou melhor, que seja o que Buda quiser! Afinal estamos na Birmânia.

Não foi rápida a volta da nossa guia, o que nos levou a pensar algumas vezes, se alguma vez a voltaríamos a ver… Como é nosso hábito, marcamos quase sempre os transferes dos aeroportos para os hotéis, mas o resto fica por nossa conta, gostamos de “vadiar” pelos sítios sozinhos, sem ninguém atrás e na companhia do já sagrado “Lonely Planet”. Assim sendo, não existia mais nada marcado com a nossa guia, sendo que foi impossível que não nos assaltasse essa “pequena” dúvida. Mas apareceu, o que só veio mais uma vez confirmar, a boa imagem plena de dignidade, honestidade e respeito que são ainda ampliadas pela fraca condição financeira que sabemos que o povo do sudeste asiático normalmente sofre. Como sempre e neste particular o povo birmanês nunca nos defraudou, e quando a vimos chegar com 2 imensos maços de notas nas mãos, não queríamos acreditar. “Aquilo é tudo para nós?!?” Por um momento parecia que tínhamos ganho algum prémio, porque nunca na vida tive tantas notas na mão! Claro que a ilusão dos grandes maços de notas desapareceu, quando nos lembrámos que ali continuavam os mesmos 200 dólares! É que a maior nota birmanesa é de 1000 Kyats, e se pensarem que 1 dólar são 1200 Kyats, a maior nota da Birmânia ronda os 0,60 euros!


Ficámos instalados no Kandawgyy Palace Hotel, um hotel simpático à beira do lago Karaweik e mais importante que tudo, localizado nas imediações do ex libris de Yangoon, o fantástico templo de Schwegadon. Com um frio na barriga, o ar impregnado da típica humidade tropical e com a adrenalina a atingir níveis elevados, saímos não sem antes reparar no fantástico lago e jardim, que abraçavam o nosso hotel.


O caminho que nos levava ao Schwegadon, abria-se aos nossos olhos sob a forma de largas avenidas sarapintadas do verde da vegetação tropical de ambos os lados. Dadas as dimensões da stupa central do templo, que pudemos comprovar mais tarde, parecia que este se encontrava mais perto do que na realidade estava. Chegámos ao Schwegadon depois de comermos num restaurante, onde a simpatia se sobrepôs à dificuldade na comunicação e depois de apanharmos um táxi surreal (pensem num carro a cair de podre e acrescentem-lhe 20 anos!), já que O S. Pedro nos brindou com um poderoso aguaceiro tropical.

Depois de subirmos as escadas principais do templo (descalços claro!), estava ali o privilégio de uma imagem que ficará para sempre gravada no nosso espírito. A resplandecente stupa dourada, inundou-nos a fantasia do exotismo asiático e proporcionou-nos um dos momentos mais místicos em terras do oriente!


Ali estava um templo vivo! Era ali que os birmaneses davam azo ao seu mais intrincado fervor religioso, em rituais carregados de fé, de uma fé que só quem sofre na pele as mais ultrajantes desconsiderações, é capaz de alcançar. Entre velas e paus de incenso, deambulavam monges, entre os milhares de budas, dourados pelos milhares de peregrinos que colam folhas de ouro (verdadeiro) ao seu corpo como tributo da sua fé.







Todos os birmaneses têm como obrigação moral, fazer uma peregrinação ao Schwegadon, o templo mais sagrado da Birmânia, pelo menos uma vez na vida, e o que mais nos agradou foi o templo não ser um museu, embora tenhamos pago a entrada, mas um local que faz parte do quotidiano da vida dos birmaneses, onde durante as várias horas que permanecemos no local, não vimos mais que meia dúzia de turistas no final da tarde.



A nossa visita começou com mais um episódio, característico da simpatia dos birmaneses, onde um rapaz e uma rapariga que vendiam os bilhetes para o templo nitidamente satisfeitos por falarem connosco, apiedaram-se de nós e emprestaram-nos o seu guarda-chuva para nos protegermos da chuva que caía intermitente. Quando perguntámos onde o deixaríamos depois, a resposta foi um “Se eu sair, procuro-vos” acompanhado de um sorriso! Ah se fosse sempre assim!

Outro episódio interessante, foi um birmanês que falava perfeitamente inglês ao contrário do que era habitual, e que depois de nos pedir para nos afastarmos para um local mais sossegado, nos começou a falar sobre assuntos sociais e políticos na Birmânia. Era um estudante universitário, que não quis deixar a oportunidade de fazer passar a mensagem do estado lastimável em que se encontrava o seu país, através da única via aberta aos birmaneses: os turistas.

Deambulámos pelos inúmeros pagodes, stupas e estátuas que circundam a stupa central, grupos de monges em meditação recitavam mantras e inúmeros transeuntes que com olhares mistos de surpresa e curiosidade por vezes, nos atiravam um “hello” quando a simpatia conseguia ultrapassar a barreira da timidez!



Escureceu e fomos presenteados com os magníficos reflexos dourados da stupa central, exponenciados pelo diamante de consideráveis proporções que se encontra no topo.



Abandonámos emocionados o local e inadvertidamente trouxemos connosco o diamante que havíamos contemplado… na alma!

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