sábado, 20 de outubro de 2007

A vida entre Bagan e Mandalay

O dia começou bem cedo, e mais uma vez, depois de Yangoon, tivemos a oportunidade de observar o ritual dos monges a pedir comida logo pela madrugada.

Dirigimo-nos até ao barco, num porto irreal. Bem na verdade não havia porto, e o cais de embarque era a própria margem do rio. Embarcávamos por umas tábuas arcaicas e de aspecto pouco sólido que desafiavam o nosso equilíbrio. Felizmente toda a bagagem era transportada por uns carregadores que em troca de alguns Kyats prestavam esse serviço.

O barco estava de acordo com os standards birmaneses, mas não era desagradável. Colocaram-nos numa ampla cabine fechada interior, com bancos parecidos com os de um autocarro. Para além da nossa bagagem, praticamente não estivemos nesse lugar. O barco estava quase vazio, transportando alguns birmaneses 2 casais espanhóis e um de franceses.

A maior parte da viagem foi passada no passadiço superior do ferry ao ar livre. A troco de 1 dólar, as cadeiras de plástico, tornaram esta viagem num miradouro privilegiado da vida do rio e das populações que viviam nas suas margens. E que experiência! Podia fazer-se um tratado antropológico, nas 10 horas que durou a viagem de cerca de 200 quilómetros, entre Bagan e Mandalay.



O Ayeyarwady era a vida daquelas pessoas. Não conseguimos evitar pensar que o desenvolvimento se esqueceu deste lugar. Acreditamos que se tivéssemos passado nos mesmos locais 50 anos antes teríamos visto exactamente as mesmas coisas.


Ali a palavra de ordem era a sobrevivência, e sobressaíam daquela paisagem tropical no meio da Birmânia, as palmeiras que entrecortavam o céu despontando das margens, onde os birmaneses tomavam banho, lavavam a roupa, pescavam, tiravam água para as suas necessidades básicas e onde as faziam também. Por vezes, rio abaixo, barcos carregados com a valiosa madeira de Teca, cruzavam-se connosco com dezenas de homens empilhados sobre os monumentais troncos. Também dentro de água seguiam os troncos rebocados por pequenas embarcações que faziam o mesmo trajecto.


Ao longo das margens, multiplicavam-se as actividades sempre rústicas e intemporais, tal como eram as casas de bambu cobertas de colmo que compunham as ocasionais aldeias que íamos atravessando. Por vezes, stupas douradas, sobranceiras às copas das árvores lembravam-nos que o budismo estava bem vivo e provavelmente mais fervoroso do que em qualquer outro local.


Canoas escavadas em troncos, tornavam-se bastante instáveis à passagem do ferry, atrapalhando a milenar arte da pesca à rede que continuava a ser ali praticada. As margens surgiam também por vezes sarapintadas de branco e cinzento das vacas e búfalos que também reclamavam aquele lugar para si. Mulheres e crianças, paravam o banho ou de bater as roupas que lavavam no rio, para nos observar, e com um aceno açucarado com um sorriso, comunicavam connosco.


A cada paragem do ferry, a cena repetia-se: aproximavam-se habitantes locais tentando vender-nos as suas melancias e bananas.


Crianças com aquela alegria universal que as caracteriza aproximavam-se pedindo guloseimas. Quando as recebiam, pareciam tímidas e envergonhadas, daquela vergonha de quem mesmo sabendo que é miserável na sua condição não o é no seu orgulho.


O Ayeyarwady mostra-se em todo o seu esplendor, com locais onde se parece com o mar tal é a largura que atinge. O rio é autenticamente uma fonte de vida para os milhões de pessoas que dele retiram o seu sustento ao longo dos seus 2170 quilómetros.



À medida, que nos aproximámos de Mandalay, multiplicavam-se os templos que viam as suas cúpulas douradas reflectidas nas águas do rio.

Dez horas e muitos anos de felicidade depois atracámos em Mandalay, onde vários barcos encostados uns aos outros, faziam as vezes de sucessivos cais de embarque.

Após passarmos todos os convés dos vários barcos atracados e de descermos as rampas de acesso à margem, colocámos literalmente os pés em terra. A confusão era total, a desorganização também. Aquele pedaço de terra era deveras movimentado e provocou-nos a sensação de ter entrado dentro do filme "A volta ao mundo em 80 dias". Ficámos apreensivos e precisámos dos habituais minutos de adaptação para voltarmos a perceber aquela realidade que não era a nossa mas onde tudo era pacífico. Entre dezenas de ofertas de táxis, hotéis e comida, lá encontrámos a zona, onde nos esperava o nosso transfer para o hotel.

Ali estávamos nós em Mandalay!

Monte Popa em Bagan

O segundo dia em Bagan nasce depois de bons momentos passados no hotel. Acertámos na escolha e aconselhamos vivamente este hotel a quem queira visitar Bagan. Para além da soberba localização em plena zona arqueológica da chamada “Velha Bagan” e encostado ao rio Ayeyarwady, possui um bom restaurante e uma piscina com muito bom ar, que ainda não tivemos a oportunidade de experimentar.

Após o pequeno-almoço, apanhámos um táxi, que nos levaria através da Birmânia central, numa curta viagem de 45 minutos, ao monte Popa. O nome provém do sânscrito e significa flores, provavelmente devido à fertilidade que circunda o monte já que se acredita que este é o que resta de um antigo vulcão.

O “monte Olimpo da Birmânia”, como é por vezes referido, é um popular destino de peregrinação por albergar as estátuas dos 37 Nats (espíritos) que compõem o imaginário da tradição popular birmanesa e que convive pacificamente com o ideário budista.



Depois da agradável viagem, a aproximação ao monte Popa mostra-nos um enorme “rochedo” bastante pronunciado e que parece despontar do chão em direcção ao céu, sem que se vislumbre a relação com a sua vizinhança. Ao longo da enorme escadaria que leva ao cume (com algum esforço!), encontram-se altares e estátuas que são alvo da fé dos inúmeros peregrinos que sobem até ao topo onde se encontra um complexo de mosteiros, stupas e templos.


A vista do topo é impressionante. Impressionante, é também o realismo de algumas estátuas presentes que acompanhadas por alguns objectos do dia a dia que lá são colocados, dão uma sensação bizarra a quem os observa. Parece que se vão mexer a qualquer momento e há quem jure que a energia das salas é extremamente negativa!


Ao percorrer os inúmeros degraus até ao topo, na extenuante subida, fomo-nos divertindo a observar o comportamento dos inúmeros macacos sempre hiper-activos e ansiosos por nos aliviar de qualquer peso comestível. Podem ser bastante insistentes e até agressivos depois de verem algo que lhes interessa. Não me esqueço de um que veio atrás de mim a agarrar-me a perna com cara de poucos amigos!

Após um almoço num dos inúmeros estabelecimentos que se encontram na base para servir os peregrinos, voltámos a Bagan, onde após visitarmos mais um templo, aproveitámos para relaxar um pouco na piscina do hotel.

No dia seguinte, bem cedo, iríamos fazer a ligação de Bagan para Mandalay num ferry birmanês percorrendo o rio Ayeyarwady e escusado será dizer, que estávamos ansiosos por fazê-lo!

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Bagan, civilização perdida

No caminho do hotel para o aeroporto assistimos a uma cena absolutamente fascinante! Como saímos bastante cedo, vimos a saída dos monges dos templos para a petição diária de comida que vão armazenando no pote de barro que carregam nas mãos.

A fila ordenada em que seguem os monges, munidos das suas túnicas cor de açafrão é uma imagem irresistível! Percorrem as ruas batendo de porta em porta, onde os devotos já os esperam diariamente com comida cozinhada e que vão distribuindo pelos vários recipientes.

Os monges vivem totalmente da caridade do povo. Os alimentos que recebem serão ingeridos até ao meio-dia naquela que constitui a única refeição do dia. A partir daí só mesmo líquidos até ao dia seguinte.

Depois desta cena fantástica lá nos dirigimos para o aeroporto para apanhar uma “chocolateira aérea” que nos levaria até Bagan!

A primeira mudança que notámos foi no clima. Viajámos na época das monções o que significa que em Agosto chove em média 28 dias (tivemos sorte, só choveu num dia!). Em Bagan, que fica localizada na denominada “zona seca”, trocámos o clima mais húmido e quase sem sol, por um clima mais condizente com o que esperamos de umas férias numa zona tropical!

No caminho para o hotel, a paisagem mostrava-se carregada de misticismo, própria de um local com quase mil anos de história para narrar. A emoção de entrar na intimidade daquele lugar, despertou-nos os sentidos.


Entrar nas entranhas daquela civilização perdida, provavelmente uma das mais avançadas da época, que só soçobrou perante a maior potência mundial que eram os mongóis à época, transporta-nos para a sensação de êxtase que deve assaltar o espírito dos primeiros exploradores que tiveram o privilégio de a encontrar.

Ao longo da planície, milhares de pontos laranja, dispersos pela verdejante vegetação, emprestam à paisagem um cariz tão fascinante como surreal. Florescem aqui mais de 2000 templos em tijolo, por vezes coroados com uma resplandecente stupa dourada. Qualquer pintor ficaria aqui ansioso por imortalizar esta imagem numa tela. Como não fomos dotados do engenho e arte necessários a tal façanha, limitámo-nos a fazer algumas fotos, onde a beleza da paisagem se encarregou de as transformar em autênticos postais.


Ao chegarmos ao Bagan Hotel, sabíamos mesmo antes de entrar porque constava este hotel no livro “Os melhores hotéis da Ásia” da Taschen. É que ainda existem locais, que nos permitem viver literalmente a História e ali estávamos nós no meio dela!

Localizado em plena zona arqueológica, o Bagan Hotel, integrava-se perfeitamente na paisagem, todo ele também construído em tijolo similar ao dos templos e com materiais naturais, como complemento das estruturas necessárias. Existia inclusivamente um templo dentro do perímetro do Hotel. O nosso quarto encarava o Ayeyarwady, esse poderoso rio, que rasga a Birmânia de norte a sul ao longo de milhares de quilómetros até desaguar majestosamente no mar de Andamão.

A zona arqueológica é património mundial da UNESCO e o seu potencial rivaliza com o Angkor Wat em Siem Reap no Cambodja. Parece que apesar de todo este potencial, nem a UNESCO conseguiu lidar com as divergências estéticas e a autoridade imposta pela detestável junta militar. Parece que a esta formidável paisagem do século XI, queriam adicionar uma “magnífica torre de betão” para observação!!! Acabaram felizmente por não concretizar estes intentos. Conseguiram no entanto criar o museu de Bagan (que poucos visitam) instalado numa réplica bastante medíocre de um palácio de estilo europeu do século XVIII! Lindo!

Pudemos notar também que em alguns locais, existem verdadeiros atentados (felizmente muito poucos ainda) realizados à custa da mais recente descoberta na Birmânia: o betão!

Existem várias maneiras de se percorrer a zona arqueológica, que se estende por mais de 42 quilómetros quadrados. Nós optámos pela mais luxuosa… uma fantástica carroça!


Não podia ser melhor, naquela atmosfera inebriante e com a nossa consciência ecológica apaziguada, partimos acompanhados da simpatia do guia que nos levou através dos trilhos de terra avermelhada à descoberta da alma e coração de Bagan.

O que é fantástico em Bagan, é que podemos descobri-la mergulhados nesse luxo dos nossos dias que é a intimidade e a privacidade. Existem tantos templos, que a grande maioria deles não deve receber uma visita durante vários dias. Na nossa volta encontrámos mais uma vez poucos turistas, o que nos levava a cumprimentá-los num claro sinal da cumplicidade de quem sabe que pertence a um pequeno grupo de privilegiados que teve a sorte e a clarividência de escolher a Birmânia como destino.


Tirando meia dúzia de templos onde encontrámos vendedores de distintos artigos artesanais (magníficos quadros!), visitámos a grande maioria dos bucólicos templos sem ver vivalma. É impressionante não existir qualquer tipo de protecção ou vigilância sendo possível observar frescos com séculos de história tal e qual como se encontram desde a sua autoria.


Não nos esqueceremos de mais uma imagem que ficou gravada na nossa memória, onde na entrada de um templo mais majestoso, um sem fim de espanta espíritos foi “accionado”. Embalados por aquele som divinal entrámos na certeza de estarmos protegidos…


Para além das muitas estátuas de Buda, frescos de várias épocas e com várias representações e dos emblemáticos templos Ananda Phato e Sulamani Patho, houve um templo, cuja visita se revestiu de um carinho especial. Estava localizado mesmo ao lado do Ananda Patho e traduzido à letra, denominava-se mosteiro de tijolo do Ananda. Contrariamente ao que é habitual, este templo estava fechado. Nada, que alguns “Kyats”, não resolvessem.


Apareceu um estudante universitário (disse ele), que se encarregou de encontrar o velho ancião portador da chave, que abriria segundo ele a porta para alguns dos mais bens preservados frescos de Bagan! Passados alguns instantes, um velhinho de rosto tisnado e com algumas rugas que pareciam datar da fundação da cidade, desembainhou o “chavão” à antiga, tipo portão da quinta e abriu-nos caminho até uma divisão central, que se encontrava totalmente às escuras. O estudante universitário tornado guia (ou talvez o contrário!), tomou a dianteira e empunhou uma lanterna, que nos permitiria seguir a história relatada nos frescos, enquanto ouvíamos a sua esmerada locução.


As cenas descreviam o dia a dia da época e para nosso espanto, representações de portugueses no comércio com os locais e noutras empunhando intimidadoras espingardas, que devem ter impressionado e muito os locais na época. Estava ali mais uma situação, que nos fez encher de orgulho, que nos inchou o ego (informámos imediatamente o guia de que éramos portugueses!) e que nos fez lembrar, que houve realmente um dia em que fomos grandes! É que estar representados em frescos antiquíssimos no meio da Birmânia a mais de 1000 quilómetros do mar e numa altura em que éramos meia dúzia de gatos-pingados, é obra!


A cereja no topo do bolo, foi o famoso pôr-do-sol, onde o sol partilha um pouco da sua cor com a dos templos intensificando-a, e proporcionando-nos uma imagem ainda melhor da que tivemos oportunidade de apreciar ao longo do dia. No topo do terraço daquele templo, fechávamos o dia com chave de Ouro, e num misto de felicidade e apreensão abandonávamos o local sabendo que as expectativas tinham sido superadas!

domingo, 14 de outubro de 2007

Yangoon, Parte 2

No segundo dia em Yangoon, resolvemos fazer o passeio a pé descrito na nossa bíblia de viagem: O Lonely Planet. O que se propunha, era realizar uma visita a pé onde se poderiam observar os antigos edifícios coloniais, que vão sobrevivendo na cidade e que nos fazem lembrar que os britânicos andaram por aqui durante alguns anos e algumas das maiores atracões da cidade desde jardins, edifícios oficiais, mercados e o inevitável chá tomado no luxuoso e histórico hotel Strand.



O ponto de partida era o Templo de Sule, um templo circular que serve de base a uma enorme rotunda onde estão sedeados alguns departamentos governamentais e a câmara municipal da cidade. Daqui saímos à descoberta de Yangoon para um passeio que durou toda a manhã e onde não vimos um único turista!

Ainda não tínhamos andado mais de 100 metros e eu já tinha conseguido aniquilar o nosso chá no Strand ao tomar conhecimento que existem esgotos a céu aberto em Yangoon. O maior problema, é que este conhecimento foi tomado de forma particularmente incisiva ao passar por cima dele, mas como era a céu aberto, o “por cima” passou a ser “dentro” dele.

Uma mangueirada numa casa de banho pública que uns simpáticos birmaneses me indicaram, resolveu parte do meu problema e seguimos com a convicção renovada que estávamos mesmo num local “exótico” e isso para nós era o fundamental!


Uma pontinha de excitação percorria o nosso espírito, por sabermos que estávamos a percorrer locais que se fossem em Lisboa, não nos atreveríamos a entrar, devido ao estado degradado dos locais e por sermos os únicos estrangeiros a passear naquelas ruas. Era inevitável que não passássemos despercebidos. No entanto, já tínhamos aprendido de algumas experiências anteriores, que não obstante o aspecto, não existia qualquer perigo. A segurança estava assegurada, porque estávamos rodeados de birmaneses, e como fomos aprendendo, a única coisa que pretendem de nós é falar nas raríssimas vezes que se sentem impelidos a fazê-lo. Mostram-se sempre simpáticos e disponíveis mas com uma aura de timidez, que lhes deve advir do regime autoritário com que têm que lidar. Se a isso acrescentarmos que não são muitos os birmaneses a falar inglês, compreende-se facilmente porque embora querendo falar connosco, não o façam frequentemente.

Confrontámo-nos com uma cidade vibrante, onde as ruas espelham o bulício das actividades diárias entre bancas de comércio exibindo uma panóplia de produtos de todo o género e bancas de comida que parecem improvisadas. Uma mesa com uma frigideira com óleo a ferver rodeada de uma série de alimentos (uns mais perceptíveis do que os outros) que são servidos em forma de espetadas e umas cadeiras minúsculas envolvendo a banca, dão corpo a esses “restaurantes” que proliferam por toda a cidade.



Foi na zona dos legumes, frutas e “produtos da terra”, que levámos mais tempo (embora a corrente humana fosse avassaladora e não nos deixasse parar muito tempo) a observar aquelas estranhas “formações” tropicais que nos iam aparecendo pela frente e que nos eram tão apelativas.


Pelo caminho passámos pelos inevitáveis bairro chinês e bairro indiano, tão característicos das grandes cidades asiáticas.


Era neste intrincado sistema geométrico de ruas que estava o coração da cidade, era aqui que tudo acontecia, e por fazermos parte dessa vida e por termos penetrado no âmago da força motriz desta cidade, saímos dali renovados, acabando a nossa volta no infindável mercado Aung San. Este mercado estende-se por vários pavilhões e por 2 pisos, onde se encontram muitos produtos que não se encontram frequentemente nas ruas, desde logo todo o género de joalharia realizada com pérolas, pedras e gemas preciosas em que a Birmânia é tão rica. Muitas lojas de esculturas em madeira e de tecidos e claro, o mercado negro a funcionar nas frequentes abordagens “change Money Sir?”.


Para recuperar forças, almoçámos num restaurante no jardim Karaweik, que visitámos depois do almoço. O jardim e o lago que ficavam anexos ao hotel onde estávamos instalados eram um local bastante agradável para passear tranquilamente e onde se observava um barco (de betão) estranho e de estética duvidosa colocado numa das pontas do lago e que emprestava ao local uma certa aura bizarra.


Nessa noite jantámos no Sandy´s Myanmar Cuisine, um dos melhores restaurantes da cidade, com deliciosa comida birmanesa, construído sobre estacas por cima do lago e com um ambiente intimista e cuidado. A relação qualidade preço era fantástica, porque a qualidade era muita e o preço baixo. A conta ficou a rondar os 10 euros (para os 2) e saímos dali com o nosso pensamento já direccionado para Bagan, o nosso próximo destino.

Depois da nossa experiência no Borubodur na Indonésia, estávamos ansiosos por conhecer Bagan, um complexo com mais de 2000 templos com um milénio de história e inscrito na lista de património da UNESCO…

Yangoon, Parte 1





Foi em Agosto de 2006 que com indisfarçável ansiedade, partimos de novo rumo ao oriente. Na bagagem levávamos recordações fantásticas do continente asiático que ainda nos assaltavam a memória. Posso agora dizer que no regresso, trouxemos alguns dos melhores momentos que vivemos em Viagem.

Muitos desses momentos, foram passados na Birmânia, que após estes últimos tristes acontecimentos, onde milhares de manifestantes ou desapareceram ou foram mortos, reavivaram na memória aqueles que tão bons momentos nos proporcionaram e que esperamos que estejam bem!

O percurso na Birmânia começou em Yangoon, na altura a capital do país. Já nessa altura a guia que nos transportou do aeroporto para o hotel, havia afirmado que a capital mudaria de local, acrescentando: “ Ah mas isso vai ser como habitual, dizem-nos na véspera e já está, nós não temos mesmo voto na matéria por isso…”

A franqueza e sinceridade da guia, deixou-nos surpreendidos, especialmente depois de todos os avisos que lêramos para não falar de assuntos políticos e outros assuntos sensíveis em público. Para além destas afirmações e com uma revolta bem patente, foi falando com um cuidado extremo nos termos que utilizava, nas dificuldades e injustiças que sofria o povo birmanês diariamente. Terminou com um lacónico “Isto não é como o vosso país”

Não é que ela conhecesse a nossa realidade, ou não fosse a Birmânia um dos países mais isolados do mundo, mas a probabilidade de acertar era enorme figurando a Birmânia invariavelmente nos últimos lugares de todos os indicadores internacionais de riqueza, desenvolvimento humano, saúde…

Antes disso e ainda no avião, não pudemos deixar de sentir a excitação a crescer no voo da Myanmar airways para yangoon, é que tal como ansiávamos, após viagens em aviões totalmente apinhados, estávamos agora num avião quase vazio em direcção ao nosso el-dorado: um país sem turismo massificado!

Ao chegar a Yangoon, bastou o primeiro olhar para perceber que o país era pobre. Não sentimos qualquer antipatia relativamente a nós por sermos estrangeiros a entrar num país ditatorial. Embora já o esperássemos porque tínhamos lido que assim seria é sempre bom notar que somos bem vindos!

No transfer para o hotel, a conversa continuou animada por parte daquela rapariga que impressionou pela competência no serviço turístico, na eficiência com que cumpriu o seu dever de alertar a precária situação em que o país se encontra para que possamos passar a palavra no exterior, e no pragmatismo com que nos aconselhou a trocar dinheiro no mercado negro! É que no hotel o câmbio era o oficial e por 1 dólar dar-nos-iam 450 Kyats, ou se quiséssemos, ela própria nos trocaria no mercado negro o dinheiro:1200 Kyats por um dólar! “Mercado negro? Já estou a adorar isto! Vamos embora, nem é preciso pensar duas vezes” (ok! pensámos mais que duas vezes). Chegados ao hotel, e depois de fazermos umas continhas à vida, cá vai disto, toma lá 200 dólares e que seja o que deus quiser, ou melhor, que seja o que Buda quiser! Afinal estamos na Birmânia.

Não foi rápida a volta da nossa guia, o que nos levou a pensar algumas vezes, se alguma vez a voltaríamos a ver… Como é nosso hábito, marcamos quase sempre os transferes dos aeroportos para os hotéis, mas o resto fica por nossa conta, gostamos de “vadiar” pelos sítios sozinhos, sem ninguém atrás e na companhia do já sagrado “Lonely Planet”. Assim sendo, não existia mais nada marcado com a nossa guia, sendo que foi impossível que não nos assaltasse essa “pequena” dúvida. Mas apareceu, o que só veio mais uma vez confirmar, a boa imagem plena de dignidade, honestidade e respeito que são ainda ampliadas pela fraca condição financeira que sabemos que o povo do sudeste asiático normalmente sofre. Como sempre e neste particular o povo birmanês nunca nos defraudou, e quando a vimos chegar com 2 imensos maços de notas nas mãos, não queríamos acreditar. “Aquilo é tudo para nós?!?” Por um momento parecia que tínhamos ganho algum prémio, porque nunca na vida tive tantas notas na mão! Claro que a ilusão dos grandes maços de notas desapareceu, quando nos lembrámos que ali continuavam os mesmos 200 dólares! É que a maior nota birmanesa é de 1000 Kyats, e se pensarem que 1 dólar são 1200 Kyats, a maior nota da Birmânia ronda os 0,60 euros!


Ficámos instalados no Kandawgyy Palace Hotel, um hotel simpático à beira do lago Karaweik e mais importante que tudo, localizado nas imediações do ex libris de Yangoon, o fantástico templo de Schwegadon. Com um frio na barriga, o ar impregnado da típica humidade tropical e com a adrenalina a atingir níveis elevados, saímos não sem antes reparar no fantástico lago e jardim, que abraçavam o nosso hotel.


O caminho que nos levava ao Schwegadon, abria-se aos nossos olhos sob a forma de largas avenidas sarapintadas do verde da vegetação tropical de ambos os lados. Dadas as dimensões da stupa central do templo, que pudemos comprovar mais tarde, parecia que este se encontrava mais perto do que na realidade estava. Chegámos ao Schwegadon depois de comermos num restaurante, onde a simpatia se sobrepôs à dificuldade na comunicação e depois de apanharmos um táxi surreal (pensem num carro a cair de podre e acrescentem-lhe 20 anos!), já que O S. Pedro nos brindou com um poderoso aguaceiro tropical.

Depois de subirmos as escadas principais do templo (descalços claro!), estava ali o privilégio de uma imagem que ficará para sempre gravada no nosso espírito. A resplandecente stupa dourada, inundou-nos a fantasia do exotismo asiático e proporcionou-nos um dos momentos mais místicos em terras do oriente!


Ali estava um templo vivo! Era ali que os birmaneses davam azo ao seu mais intrincado fervor religioso, em rituais carregados de fé, de uma fé que só quem sofre na pele as mais ultrajantes desconsiderações, é capaz de alcançar. Entre velas e paus de incenso, deambulavam monges, entre os milhares de budas, dourados pelos milhares de peregrinos que colam folhas de ouro (verdadeiro) ao seu corpo como tributo da sua fé.







Todos os birmaneses têm como obrigação moral, fazer uma peregrinação ao Schwegadon, o templo mais sagrado da Birmânia, pelo menos uma vez na vida, e o que mais nos agradou foi o templo não ser um museu, embora tenhamos pago a entrada, mas um local que faz parte do quotidiano da vida dos birmaneses, onde durante as várias horas que permanecemos no local, não vimos mais que meia dúzia de turistas no final da tarde.



A nossa visita começou com mais um episódio, característico da simpatia dos birmaneses, onde um rapaz e uma rapariga que vendiam os bilhetes para o templo nitidamente satisfeitos por falarem connosco, apiedaram-se de nós e emprestaram-nos o seu guarda-chuva para nos protegermos da chuva que caía intermitente. Quando perguntámos onde o deixaríamos depois, a resposta foi um “Se eu sair, procuro-vos” acompanhado de um sorriso! Ah se fosse sempre assim!

Outro episódio interessante, foi um birmanês que falava perfeitamente inglês ao contrário do que era habitual, e que depois de nos pedir para nos afastarmos para um local mais sossegado, nos começou a falar sobre assuntos sociais e políticos na Birmânia. Era um estudante universitário, que não quis deixar a oportunidade de fazer passar a mensagem do estado lastimável em que se encontrava o seu país, através da única via aberta aos birmaneses: os turistas.

Deambulámos pelos inúmeros pagodes, stupas e estátuas que circundam a stupa central, grupos de monges em meditação recitavam mantras e inúmeros transeuntes que com olhares mistos de surpresa e curiosidade por vezes, nos atiravam um “hello” quando a simpatia conseguia ultrapassar a barreira da timidez!



Escureceu e fomos presenteados com os magníficos reflexos dourados da stupa central, exponenciados pelo diamante de consideráveis proporções que se encontra no topo.



Abandonámos emocionados o local e inadvertidamente trouxemos connosco o diamante que havíamos contemplado… na alma!

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Introdução à Birmânia (Myanmar)



A Birmânia (actual Myanmar), está localizada no sudeste asiático e faz fronteira com a Tailândia e o Laos a oeste, com o Tibete e a China a Norte e com a Índia e o Bangladesh a oeste.

Possui uma população de 52 milhões de habitantes, dividida em oito etnias principais (Bamar, Shan, Mon, Kayin, Kayah, Chin, Rakhaing) que se subdividem num total de 67 sub-etnias. Destas, os Bamar, representam 68% da população e controlam o país. O nome Birmânia advêm desta etnia maioritária (do inglês Bamar = Burma) e a linguagem oficial de todo o sistema educativo é o birmanês, relacionado também com esta etnia.


A Birmânia não apresenta o padrão comum dos países subdesenvolvidos no que respeita à distribuição da população, onde a população se concentra nas grandes cidades. A excepção é a antiga capital Yangoon (antiga Rangum), onde se estabelecem cerca de 10% dos birmaneses. Não é por isso difícil de compreender por que 70% da população subsista da agricultura.

Na lista da ONU do rendimento anual per capita, a Birmânia ocupa um modesto 173º lugar em 179 países avaliados (dados de 2003) com cada cidadão a auferir uma média de 230 dólares anuais, o que a coloca imediatamente como um dos países mais pobres do mundo. Se estes dados já são conclusivos, a inflação que atinge os 50%, não deixa margem para optimismo quanto ao futuro. A Birmânia já foi um país em vias de desenvolvimento e nos últimos 20 anos, amordaçados por uma mão de ferro da junta militar que está no poder, vem cada vez mais para o fundo e a tendência tem sido sempre para piorar. Embora existam riquezas incalculáveis em recursos naturais, destacando-se essencialmente o petróleo, onde a Birmânia possui provavelmente a maior reserva de petróleo asiática inexplorada, possui também pedras preciosas (safiras, rubis e esmeraldas), bem como jazidas de jade verde (o mais valioso), e depósitos de ouro e prata. Existe também a maior e praticamente a única floresta de dimensões consideráveis de Teca, uma madeira exótica valiosíssima, pelas suas características específicas de durabilidade e por não apodrecer com a água.

Mais uma vez, e para não variar, são os chineses que mais lucram com a situação lastimável em que se encontra o país, sendo o principal e praticamente o único país com trocas comercias. Evidentemente que a principal importação da Birmânia à China é armamento.


87% dos birmaneses, são praticantes de Budismo. Na Birmânia a corrente budista dominante é o Theravada (também praticada no Sri Lanka, Tailândia, Cambodja e Laos), a escola Theravada, é por assim dizer a mais conservadora, austera e ascética e logo a mais difícil de praticar. Existem em Myanmar cerca de 500 000 monges.

O nome original do país era “Myanma”, foi renomeado para “Burma”(Birmânia) pelos Britânicos aquando da sua conquistra deste território no século XIX após as 3 guerras anglo-birmanesas. Em 1989 após os massacres ocorridos numa manifestação pacífica onde morreram mais de 3 000 manifestantes e numa tentativa de reabilitar a reputação internacional do país, a junta militar renomeou o país com o seu nome original “Myanmar”. Além da mudança de nome do país, convocou eleições livres, onde a prémio Nobel da paz (1991) Aung San Suu Kyi, filha do herói da independência Aung San, venceu arrebatadoramente as eleições de 1990 à frente do seu partido a Liga Nacional para a Democracia (LND). Mesmo estando em prisão domiciliária há cerca de 1 ano ganhou 392 dos 485 lugares disputados no parlamento. Obviamente que as eleições foram impugnadas e a heroína do povo birmanês onde reside a sua réstia de esperança Aung San Suu Kyi, continua em prisão domiciliária desde essa altura.



A capital já não é Yangoon (antiga Rangun), tendo sido mudada de um dia para o outro para Naypyidaw, que fica 240 Km para norte de Yangoon, em 6 de Novembro de 2005, sem que se conheça qualquer motivo para a mudança de local e num gesto típico do autoritarismo e despotismo da junta militar.

A Birmânia é provavelmente o país mais isolado do mundo, onde até há pouco mais de 5 anos atrás, o turismo era praticamente inexistente. O acesso à Internet é limitado e há poucos dias com as manifestações que ocorreram, foi cortado o serviço. Não existem canais de televisão estrangeiros, pelo que é perfeitamente normal para quem visita a Birmânia, dar de caras com um birmanês boquiaberto a olhar para nós dado que é a primeira vez que vê um ocidental de pele branca e olhos redondos!

A globalização ainda não chegou aqui e todos os homens birmaneses usam o seu sarong tradicional e as mulheres (e muitos homens também) usam a “tanaka” (Uma pasta de sândalo moída), uma espécie de maquilhagem que têm 2 objectivos, estéticos e de protecção solar.





O mercado negro é florescente (consegue-se 1300 Kyats por cada euro) o que é normal num regime miserável onde os bens de consumo essencial escasseiam. O Câmbio governamental é de 450 Kyats por cada euro!

É possível jantar no melhor restaurante de Yangoon por cerca de 15000 Kyats (pouco mais de 10 € trocados no mercado negro ou 30 € nos postos de câmbio oficiais ou nos hotéis)

Quem visita a Birmânia não vai encontrar praticamente turistas, vai encontrar um país pobre (miserável), completamente virgem, permite-nos pensar que toda a região do sudeste asiático seria assim há 100 anos atrás. Vai encontrar também um país riquíssimo na sua história e especialmente no seu povo que possui uma dignidade e uma espontaneidade que não consegui encontrar em mais lugar nenhum no mundo.

Para quem gosta de viajar no desconhecido, por caminhos raramente trilhados, onde se observam modos de vida realmente primitivos, com uma miscelânea de tribos com as suas especificidades e em perfeita segurança, então a Birmânia é de certeza o paraíso.

Não nos podemos esquecer nunca é que tudo isto só é possível devido à sanguinária junta militar que usa de todos os processos mesquinhos que conhecemos das ditaduras para aterrorizar e “manter na linha” o povo. A tortura é comum. Existem prisões que ninguém sabe onde ficam, e é normal pessoas serem presas nessas prisões e nunca mais aparecerem. Não existem intelectuais e os que existem desaparecem rapidamente. Na Birmânia o povo só tem electricidade dia sim dia não e só há noite.

Apesar de tudo isto e apesar da controvérsia que visitar a Birmânia gera em termos éticos eu sou apologista que se deve visitar a Birmânia. Fazer um esforço para gastar o dinheiro nos negócios familiares e fugir de tudo o que implica gerar receitas para o governo. Mesmo sabendo que o governo vai sempre lucrar connosco enquanto visitantes, a nossa visita (e eu pude notar isso) é uma esperança revigorada para o povo birmanês. Ouvi-los, saber o que se passa e saciar a sua curiosidade quanto ao nosso modo de vida (claro que isto não é fácil, mas é sempre possível) contribui para que exista uma evolução culturar evidente e que todos esperamos possa ser a semente de uma mudança num futuro próximo.

Boa sorte Birmânia, boa sorte birmaneses, vocês merecem!

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Vamos a isso...

“A vida são os lugares por onde passamos e as pessoas que conhecemos”

Esta frase é um belo ponto de partida para quem, tal como eu, partilha do seu conteúdo e reconhece nas viagens a concretização desse ideal.

Ao consultar no dicionário o termo “viagem”, o resultado não podia ser mais decepcionante! “acto de deslocar de um lado para o outro”. É por isso que quando o mundo é visto deste prisma, perde todo o brilho.

Este Blog é uma libertação de quem não reconhece esta definição. É pessoal e transmissível, sem pretensões nem objectivos definidos. É um escape para mim, que gosto de partilhar os “lugares e as pessoas que conheci”. Gosto portanto de partilhar a Vida ou para quem preferir a Viagem…

E quanto à parte prática da coisa que é isso que se quer, há lá coisa melhor do que uma Viagem para nos afastar da modorra que por vezes nos atormenta. Nada como um abanão para nos fazer fugir das obrigações e preocupações diárias. Aquelas que nos parecem as coisas mais importantes na vida e que se pararmos um pouco para pensar…

Há já algum tempo que pensava em criar um blog e com o tema das viagens como linha condutora, mas a preguiça foi-se estendendo assim como o prazo para começar o blog.

A frase para iniciar o blog nunca era a melhor, e porque viagem começar? Esse problema está resolvido!

Tenho acompanhado com especial interesse o desenrolar das notícias na Birmânia, país e pessoas que tive o privilégio de conhecer no ano passado e que me deixaram algumas das melhores sensações de viagem que já tive.

Por isso está na hora, de chamar a atenção para a situação alarmante em que vivem os birmaneses sob a alçada daquela sanguinária junta militar, que rege o país há mais de 20 anos.

Vamos a isso…