segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Jokhang, a pérola tibetana...

Era chegado o grande momento... Após um dia de aclimatização, estávamos agora preparados para partir à descoberta de Lhasa, essa terra mítica que nos habituámos a admirar e a fantasiar à distância.
Aproveitando a localização estratégica do nosso hotel, a poucos metros do coração religioso do Tibete, partimos à descoberta do Barkhor, provavelmente o local mais sagrado do Tibete, onde milhares de peregrinos vindo dos quatro cantos do país acorrem para dar corpo à sua premente devoção religiosa que se sente e se respira a cada passo.

O Barkhor, é todo o percurso exterior e que envolve a joía da coroa, a verdadeira pérola tibetana: o templo de Jokhang.
Percorrendo uma das ruas laterais que nos leva ao percurso sagrado do Barkhor, começamos a tomar contacto com toda aquela parafernália religiosa e não só, composta essencialmente por moinhos de oração de todos os tamanhos e feitios, coloridas bandeiras de oração, que espalham a palavra de Buda nos céus de Lhasa ao sabor do vento, manteiga de iaque que serve de combustível às velas que ardem nos templos e muitos outros objectos de culto ou tradicionais da cultura tibetana.

Ficamos com a sensação, que neste pequeno percurso, percorremos todo o Tibete, tal é a profusão de etnias munidas do seu vestuário tradicional que podemos observar. Aqui a tradição ainda é o que era e ainda bem...

O que de melhor tem o Barkhor, é o facto de continuar a ser um local vivo em todos os aspectos. A chacina da cultura e religião tibetana, parece aqui renascer das cinzas e mostrar ao mundo que uma tradição milenar, não se apaga em meia dúzia de anos. É incrível a visão de milhares de peregrinos, com rostos sofridos e corpos sacrificados arrastando-se pelo percurso, no sentido dos ponteiros do relógio, tal como se faz em qualquer templo tibetano, cegos de obstinação e completamente desligados do que se passa à sua volta. Parecem trazer um mundo cheio de nada e no entanto a sua força e tenacidade marcadas em cada ruga das suas peles curtidas, parecem carregar a sabedoria suprema, de quem não tendo nada, nada mais precisa do que a sua própria espiritualidade.
Engolidos pela multidão de peregrinos, e envolvidos pelos mantras e pelos moínhos de oração, seguimos extasiados pelo Barkhor, impelidos por uma corrente espiritual intensa, surreal e mística que nos leva até à entrada do Jokhang.

Se até aqui tudo nos parecia irreal, a entrada do templo, conseguiu suplantar todas as expectativas. Enquadrado por 2 postes enormes repletos de bandeiras de oração acompanhados por duas piras que cospem o fumo do incenso colocado pelos peregrinos a eloquência da entrada do templo acenta na sua simplicidade e acima de tudo nos peregrinos.

Estes concentram-se numa realização de rituais acompanhados por uma ladainha de mantras repetidamente recitados que fazem entrar em transe quem os recita e quem os escuta.

A atmosfera que se respira aqui é de uma fé electrizante, que nos despe de preconceitos e nos faz mergulhar num inebriante caleidoscópio de sentimentos ampliados pelos sons, cheiros, cores e rituais que se praticam e que nunca vislumbrei em nenhum outro local.

Na entrada, a concentração de pessoas é enorme. Dezenas deitam-se no chão e levantam-se num ritual acompanhado de mantras que parecem trespassar-nos a mente e que nos deixa num estado algo confuso e que dá a sensação de flutuarmos por ali. Depois de alguma dificuldade em descobrir a entrada, seguimos para o interior do templo, passando por um enorme moínho de oração com uma fila imensa para ali realizar a sua oração.

O interior do templo é composto pelas típicas madeiras detalhadamente pintadas e pelas cores garridas de paredes e panos pendurados. Inúmeros altares de budas e outras divindades são adorados nos sucessivos pátios, que compões todo o complexo. Aqui vivem os lamas, que cuidam do templo e é assim que no meio de toda esta vida, entramos surpreendentemente em pátios e em pisos superiores onde deambulamos completamente sozinhos.



A vista é soberba! Os picos escarpados, convivem com a visão mágnifica do Palácio Potala, que sobranceiro a toda a cidade, parece querer subir ao céu.
Deixámo-nos ficar por ali algum tempo, absorvidos por todo aquele cenário, e entranhando todas aquelas emoções, que não sei se as voltaremos a sentir, mas que foram provavelmente as mais fortes que sentimos em viagem.

Após estes momentos tão intensos, seguimos pela praça para arranjarmos transporte para o mosteiro de Sera. Sera pertence à esfera de 4 mosteiros mais sagrados do Tibete, juntamente com o Jokhang, o Drepung e o Ganden.
O mosteiro de Sera chegou a albergar 5000 monges, sendo que hoje em dia alberga apenas algumas centenas.

Conhecer o Tibete, passa obrigatoriamente por conhecer os mosteiros, o centro nevrálgico da cultura tibetana, onde estão cimentados os valores educativos, culturais e sociais.

A cerca de 5 quilómetros de Lhasa, facilmente acessível de taxi ou autocarro, o mosteiro de Sera nasce a partir de uma artéria principal antes da entrada, que serve de mercado. Os edifícios, onde predomina o branco, vão subindo a montanha de forma mais ou menos anárquica e vão compondo o mosteiro com todas as suas capelas, dormitórios, cozinhas e todos as outras divisões necessárias a um complexo desta dimensão. Uns frescos enormes e coloridamente pintados, parecem observar-nos das arribas escarpadas das montanhas circundantes.

Vêem-se centenas de peregrinos, munidos do inevitável moínho de oração, percorrendo a Kora, o percurso sagrado do templo, só parando nos moínhos de oração fixos colocados em diferentes pontos do percurso, ou nas inúmeras capelas que se sucedem.

A madeira coloridamente pintada, está também muito presente. No interior dos templos ainda mais, não existindo um espaço por preencher. No interior dos templos, podemos também admirar os inúmeros panos igualmente coloridos, que se encontram pendurados e que emprestam a todo o ambiente uma atmosfera quente e reconfortante.

A manteiga de iaque, mantém as velas acesas nos altares e o seu cheiro torna-se bastante intenso. Podemos ver inúmeras notas nos mais variados locais deixadas pelos peregrinos em honra das divindades ou motivos religiosos que mais lhes agradam.

Também nós contribuímos, não tanto por motivação religiosa mas sim porque estas doações são o único dinheiro disponível, juntamente com o bilhete de entrada cobrado aos turistas, para a manutenção de todo o mosteiro. Sabendo que Mao dizia que "a religião é o ópio do povo", e que os chineses bem se esforçaram por destruir a religião do Tibete, não é plausível que o mosteiro receba alguma doação oficial pelo trabalho notável que faz em todos os aspectos da vida quotidiana dos tibetanos.

A visita foi bastante agradável, pelo próprio mosteiro e pela vista que vamos admirando à medida que vamos subindo a montanha. No topo chegámos à sala de debate, um espaço dedicado aos debates sobre vários temas (excepto políticos obviamente) e que reune inúmeras filas de monges alinhados que sobem ao palanque para discutirem e contribuirem com a sua opinião relativamente ao assunto em questão. Se o tema do discurso nos foi infelizmente ininteligível, já a beleza do folclore que envolvia a cerimónia não o foi e deixou-nos a esperança num futuro em que estes debates voltem a ser verdadeiramente livres como o foram no passado. Vamos esperar...

Depois de uma pausa para o almoço, onde um apetitoso e suculento naco de iaque nos acalmou o apetite voraz que toda aquela miscelânea de emoções nos tinha provocado, partimos para o nosso próximo destino o Norbulinka, o palácio de verão dos Dalai Lamas.

Almoçámos em Lhasa, após termos apanhado o autocarro, onde pudemos através da universal linguagem gestual, "pôr a conversa em dia" com alguns tibetanos que nos acompanhavam na exígua viatura que servia de mini autocarro.

O Norbulinka, fica nas imediações de Lhasa e fica por isso acessível a pé, mas a caminhada ainda levava uns 20 ou 30 minutos e como já tínhamos alguns quilómetros nas pernas, apanhámos uma simpática bici-táxi.

O Norbulinka é na realidade mais do que um palácio, são vários palácios, jardins e outros aposentos, que serviam de base de verão aos Dalai Lamas, que fugiam desta forma ao calor abrasador que se fazia sentir no Palácio Potala, desde sempre a residência oficial do Dalai Lama. Foi a partir de 1755 com o sétimo Dalai Lama que se iniciou a construção do palácio de verão. A partir daí e até ao actual Dalai Lama, o décimo quarto, foram sendo construídos mais palácios que iam acolhendo os novos residentes.

Não se pode dizer, que este complexo de palácios e jardins sejam fascinantes, já que a manutenção dos jardins e dos palácios não é muito cuidada, mas o passeio é agradável. Tivemos a sorte de apanhar um espectáculo de danças e musica tradiocional (talvez a ópera tibetana), que nos permitiu tomar contacto com a sua arte e admirar os trajes tradicionais (que na realidade não seriam muito diferentes do que já havíamos visto).
Nada no Tibete é luxuoso ou extravagante, por isso não se pode dizer que as expectativas tenham sido defraudadas. A magnificiência dos locais nunca está na obra mas sim na espiritualidade que esta carrega, transmitida pelo fervor religioso que os tibetanos lhe dão e que se transmite como uma força revitalizadora. Aqui não se sente essa energia, dado que não é um complexo religioso. Como local monumental, tem pouco a dizer, porque inclusivamente grande parte dos edifícios se encontram fechados. O palácio do décimos quarto dalai lama, será o mais interessante de se visitar, porque para além de possuir alguma informação interessante sobre a História do Tibete e de todos os Dalai Lamas, podemos ver os seus aposentos oficiais e pessoais.

O mais interessante desta visita, foi o passeio relaxante nos jardins e o contacto directo com inúmeras famílias tibetanas que aqui acorrem para passear.

Para terminar o dia, e como em Lhasa, os restaurantes são raros, fomos jantar a uma pousada, cujo restaurante vinha recomendado no lonely planet. A especialidade era imagine-se iaque burguer! Por mais que tentemos fugir da globalização, parece que ela nos vem sempre bater à porta! Se o McDonalds descobre isto, acabam-se os iaques no Tibete e no Nepal, porque estava muito bom. Uma experiência a não repetir é o chá de manteiga de iaque, tão apreciado pelos tibetanos. Manteiga derretida com sal misturado, não é própriamente assim, que apetece terminar o jantar...

Recolhemos ao hotel, tão cansados como felizes...