domingo, 24 de fevereiro de 2008

Pequim, o primeiro dia

Após algumas horas de viagem, na companhia finlandesa Finnair, com uma oportuna escala em Helsínquia, aterrávamos em Pequim. Um aeroporto monumental ainda em obras para receber aquele que é neste momento um verdadeiro desígnio e orgulho nacional chinês: Os Jogos Olímpicos de Pequim 2008.

Tínhamos 4 dias completos para conhecer Pequim, que não sendo suficientes para conhecer em detalhe uma cidade com 14 milhões de habitantes e com a riqueza cultural de Pequim, eram no entanto suficientes para conhecer aqueles que são os pontos mais interessantes.

Fruto de experiências anteriores, já aprendemos a controlar um bocadinho o jet leg e por isso mesmo, não nos rendemos ao cansaço natural e após uma rápida passagem pelo hotel para deixar as malas já nos encontrávamos prontos para deambular pelas ruas de Pequim.

A ansiedade de ir ao encontro de mitos e lendas chinesas e de encontrar aquelas imagens que povoam o nosso imaginário carregadas de cor e exotismo, empurravam-nos a todo o momento para os locais que tínhamos aprendido a venerar mesmo antes de os conhecer. Basta pensar que Pequim é a capital dinástica chinesa desde o século XIII, onde reinaram dezenas de imperadores autoritários ou ausentes, perversos ou puritanos, mas sempre rodeados de faustosas cortes que inebriavam qualquer reino à face da terra.

Pequim viu Ghengis Khan e o império Mongol, o maior e mais poderoso jamais visto à face da terra. Viu Marco Pólo nas suas deambulações e sucessivas embaixadas. Viu Fernão Mendes Pinto como prisioneiro na sua inigualável Peregrinação, viu a Dinastia Qing e a dinastia Ming a acabar com o último imperador Pu Yi, magnificamente retratado no filme de Bernardo Bertolucci. Viu as civilizações Ocidentais a explorarem as suas entranhas e viu também Mao Tsé Tung e as suas particularidades que ainda hoje são seguidas a contra gosto pela maioria da população e principalmente pelo partido comunista chinês.

Era por tudo isto que aqui estávamos, foi por tudo isto que fomos atraídos e era por tudo isto também que nos instalámos num hotel localizado num hutong (os antigos bairros de Pequim). O hotel estava impregnado de história ou não fosse ele uma tradicional casa chinesa recuperada onde não faltavam sequer os famosos pátios interiores com as gaiolas penduradas nas árvores.

Saímos em direcção ao centro da cidade. A cidade proibida era o nosso destino e passados poucos metros, já tomávamos consciência do que é o verdadeiro comunismo. Um enorme arranha-céus com ostensivas indicações do Banco da China apresentava na sua base o maior stand da Ferrari que já vi na vida! Viva o comunismo!

Como começávamos a ver como funcionava o comunismo, aproveitámos logo o local para levantar os nossos primeiros yuans. Não entrámos no stand, porque não somos ostensivos e continuámos rumo ao nosso objectivo.

Passados poucos instantes, começámos também a perceber que Pequim é de uma dimensão avassaladora: são mais de 16000 Km2, aproximadamente o tamanho da Bélgica! Nós escolhemos um hotel localizado bem no centro da cidade e olhando para o mapa era-o de facto, mas a realidade mostrou-nos que o “centro” ficava a pelo menos 1 hora a pé. Aprendemos que em Pequim se apanha um táxi para todo o lado. É que as distâncias não são para brincadeiras, ainda mais quando acompanhadas por temperaturas a rondar uns “simpáticos” 40ºC.

A curta viagem mostrou-nos avenidas monumentais e rectilíneas, centros comerciais por todo o lado, arranha-céus intimidadores e um trânsito caótico. A cidade está em ebulição e dá a sensação que ninguém quer perder o que aqui se passa, motivo pelo qual encontrávamos a cada canto representações de multinacionais de todo o mundo.

Chegámos à cidade proibida. Na frente da entrada principal, estava nada mais nada menos que a maior praça do mundo: Tiananmen. Foi inevitável lembrar as imagens que correram mundo com o jovem estudante chinês a desafiar corajosamente um tanque do exército que o mataria poucos instantes depois. Na luta pelos seus ideais, morreram milhares de estudantes nas manifestações de 1989. Acreditavam na mudança política do seu país, mas continua a imperar o livro vermelho do Mao.

Tiananmen é a maior praça pública do mundo. Quando chegámos, preparavam-se as comemorações da aproximação aos jogos olímpicos, faltava exactamente 1 ano nesse dia e a praça estava praticamente fechada. Voltaríamos mais tarde.

Na entrada da cidade proibida e entre as muralhas vermelhas com as suas torres em estilo de pagode, sobressaía a gigantesca imagem de Mão Tsé Tung. As feições de avozinho bonacheirão quase faziam esquecer as atrocidades por que fez passar o povo chinês onde em apenas num ano e fruto das suas políticas completamente alienadas fez morrer à fome 50 milhões de pessoas. Mais do que em toda a II guerra mundial!

Como todos os locais históricos de Pequim, a cidade proibida impressiona quer pela sua dimensão quer pelo misticismo que impregna as suas paredes.
Outra surpresa para nós, foi verificar que a percentagem de turistas ocidentais era mínima. Estavam milhares de pessoas lá dentro, mas maioritariamente, turistas chineses. Fez-nos pensar, que com o crescimento do país e quando a condição financeira dos chineses for mais favorável, esperam-nos verdadeiras invasões de turistas chineses na Europa.
À entrada, surpresa das surpresas, existia um audioguia em Português! Lá entrámos no gigantesco complexo de pavilhões e praças que nos lembraram porque é que o local é designado por “cidade”. Aqui viveram poderosos imperadores rodeados do seu séquito de mais de 10000 servos, passando por vezes toda a sua vida no interior das muralhas.

Os chineses possuem uma especial apetência poética para dar nomes às coisas. Penso inclusivamente, que essa é uma das razões, pelas quais existe um exotismo muito próprio na cultura chinesa. Quando ouvimos falar as suas designações, a nossa imaginação fruto desta poética abordagem das coisas, cavalga a galope. Acho que hoje em dia se diria que os chineses eram especialistas em “Marketing”!

Se não vejamos: Porta da paz celestial, Porta do divino génio militar, Porta da suprema harmonia, Palácio da pureza celestial, Palácio da Primavera eterna, são apenas alguns exemplos que podemos encontrar na cidade proibida.

Convenhamos, que as expectativas ficam altas…

Mas não nos podemos queixar, a cidade proibida é um extraordinário complexo de palácios, praças, pavilhões, jardins e muito, muito mais. Existe espaço mais do que suficiente para acolher os milhares de pessoas, que se perdem meio extasiados nos séculos de História a que este local nos transporta. A arquitectura e o fausto são tudo aquilo que esperávamos. É apenas… maior!

Os telhados em forma de pagode assentavam na perfeição nas enormes estruturas de madeira pintadas de vermelho vivo. Magnificas pinturas de cores vivas sobressaíam na madeira trabalhada, muitas vezes na forma de figuras bizarras e míticas que povoam o imaginário popular chinês. Entalhes dourados, rasgam fachadas e portões, conferindo-lhes uma altivez difícil de descrever.

As balaustradas dos sucessivos terraços estão decoradas com milhares de pináculos de mármore estendendo-se ao longo das enormes praças, que na era imperial chegavam a acolher mais de 100000 pessoas nos discursos do imperador.

Várias exposições ao longo dos muitos pavilhões lançam-nos na riquíssima história chinesa. Desde os artefactos utilizados em diferentes épocas aos diferentes trajes do imperador até aos objectos de uso diário, verdadeiras relíquias para a época. Temos oportunidade de ver também as várias salas que compunham a corte, bem como o trono do imperador desta feita sem o fausto que apresentaria à época.

Para acabar a visita, várias horas depois, nada melhor que um passeio nos jardins onde imagino que alguns funcionários devem ter passado um mau bocado para satisfazer as extravagâncias dos vários imperadores e imperatrizes.

Tentámos sair de novo pela praça Tiananmen, mas já estava fechada para as comemorações dos Jogos Olímpicos. O dia para nós já ia longo e estava na hora de experimentar o prato mais famoso da cidade: o pato lacado à Pequim. É tratado como uma verdadeira iguaria e vários restaurantes se intitulam com o epíteto do “melhor pato à Pequim”. Nós queríamos ir ao mercado nocturno de Donghuamen e foi para lá que nos dirigimos. Quando chegámos, já algumas bancas se preparavam para servir algumas verdadeiras pérolas gastronómicas, mas já lá iremos a esse momento que constitui para nós um verdadeiro highlight de Viagem!

Antes procurámos um restaurante nas traseiras das várias barraquinhas do mercado, e lá fomos comer o desejado pato. O pato é confeccionado, injectando óleo a ferver entre a pele e a carne, conferindo-lhe aquele tradicional aspecto do pato lacado. A pele estaladiça é aliás o mais apreciado entre os locais, sendo servida à parte do resto. O pato estava delicioso e resolvemos colmatar a refeição com um belíssimo chá de crisântemos!

Em seguida, fomos explorar o famoso mercado nocturno que nos presentearia com algumas imagens que ainda hoje tenho dificuldade em apagar da memória. É certo que sabíamos do exotismo da gastronomia asiática em geral e da chinesa em particular. Já tínhamos inclusivamente contactado com alguns pratos “exóticos” no sudeste asiático, mas aqui a “qualidade” e quantidade destes “condimentos” era verdadeiramente avassaladora!
Uma enorme excitação assaltou-nos quando começámos a ver umas espetadinhas de bichos-da-seda, escorpiões, gafanhotos, estrelas-do-mar, cavalos-marinhos, pequenos lagartos e uma quantidade de outros insectos difíceis de descrever!!! Felizmente, não se confirmaram as referências a cães…
E quando estávamos nós ainda a tentar controlar a nossa incredulidade “Ah isto é só para turista ver!” eis que aparecem uns esfomeados chineses que pedem várias espetadas e as comem ali mesmo entre comentários de uma turista tão incrédula como nós “estes chineses são doidos não são?”. Acenámos em sinal de aprovação, mas nem assim conseguimos retirar a satisfação estampada na cara daquele casal de chineses!
É caso para dizer que se confirma o famoso ditado que diz que os chineses comem tudo o que se move…

Sentindo que o dia já ía longo e que já eram muitas as emoções vividas, apanhámos uma espécie de tuk tuk, que nos levou ao nosso hotel. Era tempo para interiorizar as muitas experiências vividas durante o dia.

E ainda mal tinha começado…

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