É impossível visitar a Birmânia e não viver com intensidade toda a situação política e social daquele povo. É impossível não ser solidário com aquelas pessoas. É impossível também para quem está habituado desde sempre a viver em países civilizados, onde o direito à liberdade de expressão é inalienável e intocável, não ficar sensibilizado com a história desta família.Os Moustache Brothers, são descendentes de uma trupe familiar de ópera tradicional e teatro birmanês, que durante mais de 3 décadas percorreram o país de lés a lés com as suas actuações.
A trupe é composta por 2 irmãos com um farto bigode (daí o nome),Par Par Ley e Lu Maw e pelo primo Lu Zaw (sem bigode). Conhecidos pela sua temerária oposição à junta militar, grangearam um estatuto e uma visibilidade, que lhes permite possuir hoje em dia o único local na Birmânia onde se fala de política e do governo, sempre de uma forma cómica e satírica.
Não se pense por isso, que esta fama lhes proporcionou bem estar e riqueza, bem pelo contrário, em 1996, depois de um espectáculo onde alguns generais da junta foram parodiados por estes temerários… artistas, Par Par Ley e Lu Zaw, foram presos e condenados a 7 anos de árduos trabalhos forçados, onde entre criminosos violentos e perigosos, foram obrigados a partir pedras para as estradas e a cavar valas ao bom estilo do Farwest.
Após os protestos de alguns actores de hollywood , foram libertados após cumprirem 5 anos de pena, onde ficaram impossibilitados ao longo deste tempo de receber visitas da família.
Recebem todas as pessoas a qualquer hora na sua humilde casa igual à de tantos outros birmaneses, com a alegria e simpatia de quem sabe que tem entre mãos uma missão importante a cumprir com o seu próprio país.
Embora estejam proibidos de actuar, e de ser contratados para fazer aquilo que sabem fazer à décadas, a sua tenacidade, levou-os a apresentar uma “demonstração de actuação” sem trajes e adereços, que lhes permitiram continuar “disfarçadamente” a actuar acompanhados muitas vezes de soldados representantes da junta militar munidos de câmaras de filmar.
É por tudo isto que como disse ansiávamos visitá-los porque sabendo da dignidade da sua causa e da mestria com que a concretizam, queríamos também contribuir de alguma forma.
Fomos recebidos de forma efusiva por Lu Maw, que nos pôs imediatamente à vontade, sentando-nos numa cadeira na sua minúscula casa “teatro” onde decorrem as actuações nocturnas que não tivemos o prazer de assistir. Entrar ali, é um tónico, é como retirar a mordaça que há muito nos incomoda e sentir as palavras a percorrer a mente num momento de extâse mal contido. Numa panóplia de metáforas sátiras e piadas Lu Maw, conta-nos todas as injustiças políticas e sociais que o povo birmanês sofre. Fala-nos das regalias de quem pertence à junta militar, do facto de só possuir electricidade dia sim dia não e só à noite, da “infelicidade” de não morar ninguém da junta na sua rua, daí nada estar arranjado e visivelmente degradado, das pessoas que desaparecem misteriosamente e de tantos outros factos repugnantes que constituem o dia a dia da Birmânia.
Com o espírito alvoroçado e o coração palpitante, despedimo-nos dos “irmãos do bigode” e dirigimo-nos para o mosteiro Shwe In Bin Kyaung, chamado pelos locais apenas como o “Mosteiro de Teca”.
Nessa noite, rumámos ao teatro. Esperava-nos um espectáculo secular, um verdadeiro cartaz cultural desta região.
Em seguida, a mestria dos movimentos aplicados às marionetes, compuseram uma das muitas histórias da Ramayana. Os movimentos das marionetes eram duma realidade impressionante, fruto das muitas possibilidades de movimento de cada marionete. A certa altura, levantaram a parte superior do palco, onde foi possível admirar os artistas que manuseavam as marionetes, e compreender, que aquela arte necessita sem dúvida de muitos anos de aperfeiçoamento para chegar aquele nível!
Acabávamos ali as nossas deambulações daquele dia fantástico e o melhor de tudo, é que o dia seguinte revelar-se-ia igualmente surpreendente!

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